Governo de SC e Prefeitura de Palhoça tentam construir rodovia dentro de parque

    Ex-prefeito e governador acertaram a obra dentro de unidade de conservação integral sem licenças ou estudos ambientais

    área de mata no parque do tabuleiro
    Parque do Tabuleiro: maior UC do estado, garante água para a Grande Florianópolis - Lucas Cervenka/CSC

    O Governo do Estado e a Prefeitura de Palhoça concordaram, através do Plano 1000, em construir uma rodovia duplicada para fazer mais uma ligação da Pinheira com a BR-101. Ambos anunciaram com naturalidade o projeto em maio, que corta a baixada do Parque Estadual da Serra do Tabuleiro, uma unidade de conservação integral onde esse tipo de intervenção é antagônico.

    A ideia da prefeitura – que indica a obra e o governo estadual dá o dinheiro – é construir quatro pistas com canteiro central e ciclovia sobre a Estrada do Espanhol, uma pequena via de terra arenosa que está dentro do parque, junto às espécies nativas e ameaçadas de extinção. Quem tenta capitalizar politicamente como mentor do projeto é o ex-prefeito Camilo Martins.

    O projeto ganhou aporte de R$ 27.766.348,91 nesta sexta-feira (1º/7) mas sequer tem qualquer estudo ou muito menos licenciamento. Foi dado pelo Instituto do Meio Ambiente (IMA) apenas um aval, a mando do alto escalão do governo, para o recorte dentro da área sensível, sem qualquer análise de impacto sobre a flora e com alto risco de atropelamento em massa da fauna.

    Pedido mínimo

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    A ideia de cortar o parque com uma estrada superdimensionada não foi bem aceita em boa parte da comunidade do sul de Palhoça. Nessa semana, com Martins publicando sobre os benefícios de uma nova estrada, a população exigiu do Ministério Público alguma atitude. A resposta, ainda tímida, veio também na sexta, antes do evento de verbas para a Grande Florianópolis pelo Plano 1000, com uma reunião em que o presidente do IMA, Daniel Vinicius Neto, garantiu ao promotor de justiça José Eduardo Cardoso que fará o mínimo: um estudo ambiental prévio. A depender da empresa que for contratada isso não é garantia alguma de que representa uma conservação ou cuidado com a natureza, apenas algo para cumprir a etapa “burocrática”.

    A indicação dessa reunião é que talvez o IMA faça estudos que minimizem o impacto ambiental, como passa-fauna, e exija do próprio governo alguma compensação ambiental. A depender da instrução normativa do IMA que for usada, como a IN 46, por exemplo, a área de mata nativa pode acabar sendo “compensada” por outra de pinus e eucalipto em qualquer lugar do estado. Antes mesmo da flexibilização do código ambiental, SC já tinha mecanismos relapsos como esse.

    O Correio questionou o IMA sobre como se deu a aprovação de uma estrada de alto impacto, e ainda dentro de uma área impraticável, mas não obteve uma resposta. O órgão não comunicou ao conselho do parque a intenção da obra e não possui estudo público que indique a necessidade de uma rodovia desse porte na região. Vale lembrar também que qualquer pessoa que precise construir algo em território catarinense deve lidar com as regras totais, mas a gestão pública teve tratamento especial (previsto em lei) quase ilegal.

    estrada do espanhol dentro do parque da serra do tabuleiro
    Poderes públicos querem sobrepor unidade de conservação integral com rodovia de quatro pistas, substituindo a Estrada do Espanhol – Street View/Divulgação/CSC

    Proteção às ameaçadas

    Por princípio o parque é uma reserva de território que tem como objetivo básico a preservação de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica, incluindo aí espécies ameaçadas ou não. E o que não faltam são espécies ameaçadas de extinção na área protegida pelo Parque Estadual da Serra do Tabuleiro, como a anta (Tapirus terrestres), maior mamífero terrestre da América Latina, cuja população no território do parque supera 80 indivíduos, o gato-do-mato pequeno (Leopardus guttulus), entre outras espécies da fauna. Em relação à flora há a espécie rara e endêmica Commelina catharinensis, que só existe no litoral catarinense e que foi descoberta na área do parque, com uma única população conhecida somente na restinga do Maciambú; e o lírio-do-vento (Hippeastrum breviflorum), espécie também rara e que atualmente tem florescido na área protegida. A lista é longa.

    Se sobram motivos jurídicos, técnicos, ambientais e éticos para não se fazer a estrada dentro do parque, igualmente sobram para fazer uma rodovia fora dos limites da unidade de conservação. Uma eventual nova rodovia para ligar o sul da Pinheira à BR-101 pode ser em outro local. Na reunião de sexta esse ponto foi levantado pelo Ministério Público. Isso se houver essa necessidade de fato para se gastar R$ 27 milhões do cofre catarinense para criar uma nova via, quando há outras que podem ser alargadas. Há também a possibilidade de implementação de uma estrada-parque, conceito ainda pouco explorado e mais adequado do ponto de vista ambiental, porém ignorado pelo estado e prefeitura.

    O plano de manejo do parque classifica a estrada do espanhol como zona de uso conflitante, isso para a pequena via, com pouco fluxo de veículos, de chão batido, que existe atualmente. Para uma rodovia de maior largura do que a própria BR-101, o casamento de infraestrutura de grande porte e conservação da natureza é impraticável. O Parque do Tabuleiro é ainda classificado como reserva de importância mundial da biosfera.

    Há muitos outros pontos técnicos que barram a construção dessa obra e apenas um que depõe a favor: a vontade política. Camilo Martins e o governador, Carlos Moisés, querem. O que fica claro é que a verdadeira ameaça à natureza não é, por ora, o trânsito, mas o que os políticos no poder pensam.

    Por Lucas Cervenka – reportagem@correiosc.com.br

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