Em quase três horas de reunião, a Comissão de Educação, Cultura e Desporto da Alesc discutiu, nesta terça-feira (20), pontos do Programa Universidade Gratuita, em geral problemáticos, que está em tramitação na Casa. Participaram do encontro representantes do governo estadual, instituições de ensino particulares e comunitárias, estudantes e deputados estaduais.
Durante as manifestações, os parlamentares demonstraram preocupação principalmente com a origem dos recursos que vão financiar o programa que pretende oferecer até 75 mil bolsas de estudo nas universidades comunitárias. Houve, também, questionamentos quanto aos problemas estruturais que atingem a rede estadual de ensino.
Enquanto o governo quer que o programa destine parcelas de 80% dos recursos para universidades comunitárias pela Acafe e 20% para instituições particulares, uma parte dos deputados vai tentar alterar o texto para uma composição de 70% a 30%, incluindo o presidente da Alesc, Mauro de Nadal (MDB). Isso significa até R$ 160 milhões de verba pública do estado a mais nas universidades particulares, uma vez que a gestão de Jorginho Mello pretende gastar até R$ 1,6 bilhão quando o programa chegar no auge das bolsas.
Principal proposta de campanha do governador Jorginho, o Universidade Gratuita é conflitante com o Uniedu, que já disponibiliza bolsas (parciais ou totais) em instituições de ensino superior em Santa Catarina. Nos últimos anos o aporte no Uniedu foi elevado para cerca de R$ 500 milhões.
O que diz o governo
O governador Jorginho Mello (PL) participou da reunião e defendeu a aprovação do programa da forma como ele foi encaminhado à Alesc. Ele destacou que o Estado não utilizará os 25% exigidos por lei para investimento em educação para financiar as bolsas de estudo.
Jorginho considera que há muita desinformação sobre o programa. Disse que os recursos do Artigo 170 da Constituição Estadual para as instituições particulares passarão de 10% para 20%, ficando os 80% restantes para as comunitárias.
“Tem muita fofoca, uma queda de braço que não tem sentido”, disse o governador. “Não precisamos dessa disputa entre particulares e comunitárias. Todos os alunos que precisam do braço do Estado, nós vamos ajudar.”
O secretário de Estado da Educação, Aristides Cimadon, destacou que o Universidade Gratuita prevê uma série de contrapartidas dos estudantes beneficiados e das instituições atendidas, inclusive no desenvolvimento do ensino profissionalizante, citado durante a reunião como um dos problemas enfrentados pelo estado.
“Trata-se de um projeto de desenvolvimento do estado”, afirmou Cimadon. “Não há a necessidade de ficar brigando por recursos, porque ambos terão ganhos enormes e o estado terá um ganho maior.”
Sobre a fonte de recursos para o programa, o secretário de Estado da Fazenda, Cleverson Siewert, afirmou que o dinheiro virá dos recursos previstos nos artigos 170 e 171 da Constituição, e o restante do tesouro estadual. A informação causou preocupação na presidente da Comissão de Educação da Alesc, deputada Luciane Carminatti (PT), que entende que o uso de recursos da Fonte 100 vai resultar em diminuição de investimentos na educação básica.
“O governo tem que dizer qual a fonte que vai financiar esse programa”, declarou a deputada. “Não devemos tirar dinheiro da educação básica, nem da Udesc”, completou a parlamentar.
MPSC e TCE relatam problemas
Ministério Público Estadual (MPSC) e Tribunal de Contas do Estado (TCE) participaram da reunião e manifestaram preocupação com o que classificaram como “inversão de prioridades”. Os representantes dos dois órgãos entendem que o dever constitucional do Estado é investir em ensino fundamental e médio, e não no superior.
O promotor de Justiça Marcelo Araújo afirmou que só em Florianópolis há 37 escolas estaduais enfrentam problemas estruturais e necessitam de investimentos. “Temos que nos preocupar com o ensino superior, mas no ensino básico tem que ter uma aplicação mais efetiva de recursos.”
O auditor do TCE Leandro Gaudêncio apontou alguns problemas no programa, como a inversão de prioridade constitucional, a ausência da estimativa de impacto financeiro e a origem dos recursos, entre outros.
Comunitárias e Particulares
Durante a reunião, representantes das instituições comunitárias e particulares apresentaram posições divergentes sobre o programa. Cada parte quer uma cota maior para si: as chamadas comunitárias querem manter a parcela de 80% e a as particulares pretendem alcançar 30% da verba.
Henrique Lago Silveira, da Associação Nacional das Universidades Particulares (Anup), afirmou que 68% dos alunos de graduação estão em instituições particulares, enquanto 17% estão em comunitárias. “17% terão acesso a 80% dos recursos, enquanto 68% vão ter 20% do dinheiro do programa”, citou. “O projeto cria um novo elitismo, financiado pelo Estado.”
O presidente da Associação de Mantenedoras Particulares de Educação Superior de Santa Catarina (Ampesc), Cesar Augusto Lunkes, afirmou que o programa tem equívocos, que demandam de mais tempo para serem debatidos. Para ele, o Universidade Gratuita “é estatizante e não democratiza o acesso ao ensino superior.”
Pelo lado das comunitárias, Luciane Ceretta, presidente da Associação Catarinense das Fundações Educacionais (Acafe), destacou a importância dessas instituições no desenvolvimento do estado. Para ela, recursos públicos devem ser investidos em instituições de origem pública e não em privadas. “Nossa luta não é contra ninguém, é a favor da educação como patrimônio dos catarinenses.”
Claudio Jacoski, da Associação Brasileira das Instituições de Ensino Comunitárias (Abruc), afirmou que as universidades da Acafe têm caráter filantrópico e prestam inúmeros serviços à comunidade em todo o estado.
Representantes dos estudantes também participaram da reunião desta terça. Alex Chernehaque, das instituições privadas, afirmou que o programa fará com que o ensino superior seja para “poucos e ricos” e criticou o fato de não haver previsão de recursos para bolsas de pesquisa. Jean Calza Ribeiro, das universidades da Acafe, defendeu o trabalho desempenhado pelas instituições comunitárias.
A representante da União Nacional dos Estudantes (UNE), Vitoria Davi, acredita que recursos públicos “não devem ser destinados para o enriquecimento de grandes corporações de ensino privado”. Já Natan Rech, da União Catarinense dos Estudantes (UCE), defendeu a maior porcentagem do programa para as comunitárias.
Parlamentares
Os deputados Mario Motta (PSD), Marquito (Psol) e Matheus Cadorin (Novo) participaram da reunião. Cadorin defendeu que os recursos do programa deveriam ser destinados para resolver os problemas do ensino básico. “O correto seria 100% dos recursos para os alunos. O programa é para os alunos, não para as instituições”, completou.
Marquito questionou sobre a fonte dos recursos para o programa e demonstrou preocupação com a retirada da reserva de 10% dos recursos para investimentos na Udesc. Já Mário Motta entende que deveria ser um direito do aluno beneficiado com a bolsa escolher a instituição em que quer estudar.
Ao final do encontro, a deputada Luciane Carminatti destacou a importância da reunião. “O Parlamento não pode se furtar ao debate sobre esse tema tão importante.”
Ela reiterou a preocupação com a fonte de recursos para financiar o programa, além da necessidade de investimentos na estrutura das escolas estaduais e na ampliação do ensino profissionalizante.
Na CCJ
A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) apresentou, na manhã desta terça-feira (20), parecer pela admissibilidade à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 3/2023, de iniciativa do Poder Executivo, que visa revogar os artigos 47, 48 e 49 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) da Constituição estadual. Essa é uma alterações nas leis necessárias para que o governo consiga botar dinheiro público no programa Universidade Gratuita. A implantação também depende da aprovação de outros dois projetos, em análise na Alesc.