“Confesso que me emociono ao ouvir nosso hino e que marejei os olhos ao receber o uniforme que usaremos em Tóquio”. Com essas palavras, o manézinho Valdeni da Silva Júnior explica o sentimento de ser convocado pela primeira vez para representar o Brasil em uma paralimpíada. O atleta do remo é um dos três representantes da Grande Florianópolis nos jogos de Tóquio, que começam em 24 de agosto, que conta ainda com a também remadora Josiane Lima, de Florianópolis, e o tenista Ymanitu Silva, de Tijucas. Ao Correio, os atletas compartilharam as expectativas para a próxima edição das Paralimpíadas e as dificuldades no esporte.
Em busca de mais um pódio
No time brasileiro do para-remo, a “manézinha do Sambaqui”, como se descreve nas redes sociais, Josiane Lima busca mais uma medalha em sua quarta participação nos jogos paralímpicos. Logo em sua estreia, em Pequim 2008, ela conquistou o bronze, com a dupla Elton Santana, sendo a única medalhista mulher da equipe brasileira do esporte. Em Tóquio, ela disputa o Double Skiff Misto PR2 (remadores que possuem mobilidade nos troncos e nos braços) junto com Michel Pessanha.
Correio de Santa Catarina – Como está sendo a pandemia para você e como está a preparação para Tóquio nesses dias que antecedem as Paralimpíadas?
Josiane Lima – A pandemia foi bem complicada para todos os atletas do mundo. Eu me classifiquei já em 2019, no campeonato mundial na Áustria, fiquei na quinta colocação e como de lá pra cá não teve mais competições, a gente permanece na quinta colocação do ranking mundial. Nós estávamos treinando forte já ali em março [de 2020], na expectativa que os jogos fossem acontecer em agosto de 2020. Começou a pandemia e lockdown e eu passei a treinar basicamente dentro de casa, no quarto e na sala, com equipamento de simulador de remo, que se chama remo ergométrico ou remo indoor. Minha preparação foi toda baseada nesse equipamento, no ano de 2020 todo e até o início desse ano ainda.
Depois de março [de 2021], eu comecei a vir pras concentrações aqui em São Paulo e começaram a implementar os protocolos sanitários para atletas, nos mesmos moldes que é feito com o futebol: sempre antes de uma viagem de concentração a gente faz o teste PCR-RT e aí dando negativo a gente embarca pra competição, pra parte de treinamento, que tem sido aqui no centro de treinamento paralímpico, onde eu estou hoje e fico em concentração. No final de junho, na nossa última concentração, o comitê olímpico internacional disponibilizou vacinas pros atletas. Nesse momento estou imunizada com as duas doses da vacina.
Correio – Quais as expectativas e quais resultados pretende atingir nos jogos?
Josiane – A nossa expectativa é realmente a gente estar na final, disputando medalha. A gente já sabe como vão ser os protocolos lá, não vai ter espectadores nem torcida presente, é uma competição que toda a torcida vai acontecer online. A minha maior preocupação realmente é com o contágio, porque mesmo a gente vacinado a gente ainda pode portar o vírus, então a gente segue com o protocolo de rigor e é isso. Dia 8 de agosto a gente já tá embarcando pro Japão e a nossa final vai ser no dia 29, se Deus quiser a gente vai estar lá disputando com os outros principais países, que são atualmente a Inglaterra, a Holanda, a França, a Polônia, a Ucrânia e a Itália.
Correio – Na sua visão, quais as principais dificuldades como atleta na modalidade atualmente? Acredita que a visibilidade das Paralimpíadas pode ajudar na valorização do esporte e atletas no Brasil?
Josiane – As dificuldades para os atletas em geral é realmente a questão do incentivo da iniciativa privada, os patrocínios mesmo, que não chegam ou chegam pra raríssimos atletas. A visibilidade é o que tem mais dificuldade, porque fica mais difícil os patrocinadores investirem naquilo que eles não conhecem, que não tem visão do público pra poder levar a marca dessas empresas junto com o atleta. Graças a Deus que no Brasil nós temos o bolsa atleta, que é a principal fonte de recurso pros atletas custearem suas despesas básicas, mas a gente acaba dependendo só de um recurso pequeno pra maioria poder se dedicar e se profissionalizar.
Eu acredito que toda essa visibilidade também possa ser um divisor de águas na questão do investimento voltado aos atletas. Com a entrada de outros esportes radicais, que nasceram das ruas e periferias, como o skate, o surf, a escalada, vai ser bastante interessante essa associação do esporte com a cultura. A gente também vai poder observar essas interações do esporte associado à saúde em meio a uma pandemia… acho que vai trazer bons frutos pros atletas e para o Brasil. E que as marcas possam querer cada vez mais associar a seus nomes a esse universo dos atletas.
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“Dar o máximo, lutar por uma medalha”
10º no ranking mundial do tênis em cadeira de rodas na categoria quad (de atletas com deficiência em membros inferiores e superiores), Ymanitu Silva, o Mani, conquistou recentemente os torneios Kemal Sahin Open e Sahin Kirbihik Open, em maio, na Turquia, e faz parte da história do esporte do país como primeiro brasileiro em cadeira de rodas a participar de um Grand Slam de Roland Garros, em 2019. Indo para sua segunda Paralímpiada, o tijuquense busca superar o resultado da última edição dos jogos, no Rio 2016, quando alcançou o quinto lugar na competição.
Correio – Como está a preparação para Tóquio nesses dias que antecedem as Paralimpíadas?
Ymanitu Silva – A preparação está intensa. Aumentei minha carga de treino nesse mês de julho, onde estou treinando dois períodos, focados nos ajustes finais de lapidação.
Correio – Como foi o período de pandemia? Conseguiu manter a preparação para os jogos?
Ymanitu – Num primeiro momento foi um susto, junto com incertezas, como pra todos nós. Em março de 2020, quando começou a pandemia, eu estava no início de uma gira nos USA, onde apenas fiz o primeiro jogo, no dia seguinte o torneio foi cancelado e o [torneio] da semana seguinte também. Tivemos que sair dos USA em 3 dias, então foi aquela loucura toda de remarcação de passagens e retornar pra casa em pleno caos. Como moro em Santa Catarina e aqui souberam trabalhar bem a pandemia, fiquei apenas os primeiros 15 dias sem treinar e desde então continuei a minha preparação pros jogos e aproveitei bem esse tempo pra fazer uma grande mudança na minha carreira, onde passei a treinar e fazer parte do time da ADK Itamirim Clube de Campo [em Itajaí]. Ali eu tenho tudo num lugar só: preparação em quadra, preparação física e também uma super equipe multidisciplinar.
Correio – Quais resultados pretende atingir em Tóquio?
Ymanitu – Pretendo dar o máximo de mim e lutar por uma medalha, mas consciente que é vencer jogo a jogo. As expectativas estão as melhores possíveis e estou ansioso por esse momento.
Correio –Qual a sensação de ser confirmado para os jogos Paralímpicos?
Ymanitu – A sensação é de dever cumprido até aqui, por tudo que fiz para conseguir essa classificação. Foram quatro anos de muito empenho e dedicação. É uma uma honra poder representar o meu país nessa competição tão importante e marcar o meu nome na história da minha modalidade e categoria.
Correio – Na sua visão, quais as principais dificuldades como atleta na modalidade atualmente? Acredita que a visibilidade das Paralimpíadas pode ajudar na valorização do esporte e atletas no Brasil?
Ymanitu – Eu vejo que a principal dificuldade hoje em dia é o reconhecimento por alguns meios de comunicação do paratleta que tem títulos e conquistas. Às vezes quem tem esse reconhecimento são aqueles que são bons de vender a imagem em mídias sociais com histórias de superação e não de resultados. Eu acredito que sim, os jogos trazem essa visibilidade, mas infelizmente os meios de comunicação só dão essa visibilidade para nós na época dos jogos. Hoje os atletas são bem valorizados e recebemos um bom investimento do governo federal, através dos planos de bolsas que existem e são fundamentais para carreira do atleta, mas infelizmente falta esse mesmo investimento em alguns estados e municípios, como por exemplo o meu estado e município. Tenho um bom contato com as empresas privadas que apoiam e incentivam a minha carreira, esse apoio privado é fundamental para que possamos nos dedicar ao esporte e buscar atingir e conquistar nossos objetivos.
“Botar o barco do Brasil onde ele nunca esteve”
Há três anos no remo, Valdeni Júnior traz na bagagem a experiência no atletismo, de quando fez parte da equipe do exército, além do conhecimento acadêmico como estudante de Educação Física. Em Tóquio, ele participa da categoria quatro com timoneiro misto PR3 mista (remadores com deficiência visual ou deficiências leves e que possuem mobilidade nas pernas, troncos e braço).
Correio – Como está a preparação para Tóquio nesses dias que antecedem as Paralimpíadas?Valdeni – Os treinos, nosso foco e nossos pensamentos estão cada vez mais voltados aos jogos. [Estão] Intensos e diários para que possamos estar no mais alto nível possível e poder mostrar nosso trabalho num evento tão grandioso e importante como o Jogos Paralímpicos de Tóquio.
Correio – Conseguiu manter a preparação para os jogos durante a pandemia?
Valdeni – A pandemia veio para nos ensinar que nada é como planejamos, infelizmente vidas se perderam, amigos, familiares. Mas nós estamos aqui e tudo acontece no tempo certo, claro que damos aquela mãozinha, nos dedicando aos treinos dia a dia, plantamos e regamos a semente da conquista. Isso vem acontecendo pouco a pouco, graças a todo o reforço e trabalho desenvolvido até aqui.
Correio – Quais resultados pretende atingir em Tóquio?
Valdeni – Pretendemos botar o barco do Brasil onde ele nunca esteve e assim, junto da minha equipe, escrever nossos nomes na história. Quem sabe essas sejam apenas as primeiras linhas de uma linda história de conquistas para nosso país.
Correio – Na sua visão, quais as principais dificuldades como atleta na sua modalidade atualmente? Acredita que a visibilidade das Paralimpíadas pode ajudar para a valorização do esporte e atletas no Brasil?
Valdeni – [A principal dificuldade é] A falta de investimentos no que diz respeito à manutenção diária que um atleta de alto rendimento precisa. Para que estejamos em alto nível e representar bem, seja o país ou o clube, precisamos ter uma boa alimentação, suplementação, acompanhamento médico e gastos de idas e voltas aos treinos, conciliando tudo isso a trabalho, casa e estudo.
Com certeza toda a visibilidade, não só nas paralimpíadas mas também na pré e pós competição, é o que mantém o atleta. Nos dias de hoje, dependemos muito das mídias sociais para obter algum apoio. Conseguir um apoio, seja lá qual for, é muito difícil e muitos pensam que estar na seleção é sinônimo de riqueza ou coisa assim, mas a realidade é totalmente diferente. Quem vê de fora não imagina o quanto se é investido financeiramente para atingir o alto rendimento e aí sim brigar por uma vaga numa seleção e poder ser um dos escolhidos a representar o país.
Correio – Qual a sensação de ser classificado para os jogos Paralímpicos?
Valdeni – Me faltam palavras para descrever tudo que estou sentindo. Poder compor um barco da seleção brasileira e representar nossa nação numa paralimpíada é realmente inexplicável. Eu sou muito patriota, confesso que me emociono ao ouvir nosso hino e que marejei os olhos ao receber o uniforme que usaremos em Tóquio. Acredito que lá não será diferente, pois será a concretização de um sonho e a chegada ao ápice na carreira e farei tudo que estiver ao meu alcance para ir o mais longe possível!
Atletas catarinenses na Paralimpíada de Tóquio
Além dos três atletas da Grande Florianópolis, outros oito catarinenses participam das Paralimpíadas de Tóquio. São eles: Ana Paula Madruga de Souza, de Lages, no remo; Bruna Costa Alexandre, de Criciúma, no tênis de mesa; Danielle Rauen, de São Bento do Sul, no tênis de mesa; Edenilson Roberto Floriani, de Joinville, no atletismo; Edilene Teixeira Boaventura, de Jaguaruna, no atletismo; Jorge Luis Camargo Fonseca, de Rio Negrinho, no triatlo; Matheus Rheine Corrêa de Souza, de Brusque, na natação; e Talisson Henrique Glock, de Joinville, na natação. Laurindo Nunes Neto, de Caçador, participa ainda como atleta guia no atletismo.
Ao todo, 253 atletas brasileiros foram convocados para as Paralimpíadas de Tóquio, a maior delegação do Brasil em jogos fora do país. Antes, o maior número de paratletas nos jogos foi de 178 em Londres 2012. Na edição da Rio 2016 foram 286, quando o país teve vaga em todas as modalidades por ser sede. O Brasil ficou em 8º lugar geral no quadro de medalhas, com 72 ao total: 14 de ouro, 29 de prata e 29 de bronze.
Por Ana Ritti – redacao@correiosc.com.br