O Governo do Estado e a Prefeitura de Palhoça concordaram, através do Plano 1000, em construir uma rodovia duplicada para fazer mais uma ligação da Pinheira com a BR-101. Ambos anunciaram com naturalidade o projeto em maio, que corta a baixada do Parque Estadual da Serra do Tabuleiro, uma unidade de conservação integral onde esse tipo de intervenção é antagônico.
A ideia da prefeitura – que indica a obra e o governo estadual dá o dinheiro – é construir quatro pistas com canteiro central e ciclovia sobre a Estrada do Espanhol, uma pequena via de terra arenosa que está dentro do parque, junto às espécies nativas e ameaçadas de extinção. Quem tenta capitalizar politicamente como mentor do projeto é o ex-prefeito Camilo Martins.
O projeto ganhou aporte de R$ 27.766.348,91 nesta sexta-feira (1º/7) mas sequer tem qualquer estudo ou muito menos licenciamento. Foi dado pelo Instituto do Meio Ambiente (IMA) apenas um aval, a mando do alto escalão do governo, para o recorte dentro da área sensível, sem qualquer análise de impacto sobre a flora e com alto risco de atropelamento em massa da fauna.
Pedido mínimo
A ideia de cortar o parque com uma estrada superdimensionada não foi bem aceita em boa parte da comunidade do sul de Palhoça. Nessa semana, com Martins publicando sobre os benefícios de uma nova estrada, a população exigiu do Ministério Público alguma atitude. A resposta, ainda tímida, veio também na sexta, antes do evento de verbas para a Grande Florianópolis pelo Plano 1000, com uma reunião em que o presidente do IMA, Daniel Vinicius Neto, garantiu ao promotor de justiça José Eduardo Cardoso que fará o mínimo: um estudo ambiental prévio. A depender da empresa que for contratada isso não é garantia alguma de que representa uma conservação ou cuidado com a natureza, apenas algo para cumprir a etapa “burocrática”.
A indicação dessa reunião é que talvez o IMA faça estudos que minimizem o impacto ambiental, como passa-fauna, e exija do próprio governo alguma compensação ambiental. A depender da instrução normativa do IMA que for usada, como a IN 46, por exemplo, a área de mata nativa pode acabar sendo “compensada” por outra de pinus e eucalipto em qualquer lugar do estado. Antes mesmo da flexibilização do código ambiental, SC já tinha mecanismos relapsos como esse.
O Correio questionou o IMA sobre como se deu a aprovação de uma estrada de alto impacto, e ainda dentro de uma área impraticável, mas não obteve uma resposta. O órgão não comunicou ao conselho do parque a intenção da obra e não possui estudo público que indique a necessidade de uma rodovia desse porte na região. Vale lembrar também que qualquer pessoa que precise construir algo em território catarinense deve lidar com as regras totais, mas a gestão pública teve tratamento especial (previsto em lei) quase ilegal.
Proteção às ameaçadas
Por princípio o parque é uma reserva de território que tem como objetivo básico a preservação de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica, incluindo aí espécies ameaçadas ou não. E o que não faltam são espécies ameaçadas de extinção na área protegida pelo Parque Estadual da Serra do Tabuleiro, como a anta (Tapirus terrestres), maior mamífero terrestre da América Latina, cuja população no território do parque supera 80 indivíduos, o gato-do-mato pequeno (Leopardus guttulus), entre outras espécies da fauna. Em relação à flora há a espécie rara e endêmica Commelina catharinensis, que só existe no litoral catarinense e que foi descoberta na área do parque, com uma única população conhecida somente na restinga do Maciambú; e o lírio-do-vento (Hippeastrum breviflorum), espécie também rara e que atualmente tem florescido na área protegida. A lista é longa.
Se sobram motivos jurídicos, técnicos, ambientais e éticos para não se fazer a estrada dentro do parque, igualmente sobram para fazer uma rodovia fora dos limites da unidade de conservação. Uma eventual nova rodovia para ligar o sul da Pinheira à BR-101 pode ser em outro local. Na reunião de sexta esse ponto foi levantado pelo Ministério Público. Isso se houver essa necessidade de fato para se gastar R$ 27 milhões do cofre catarinense para criar uma nova via, quando há outras que podem ser alargadas. Há também a possibilidade de implementação de uma estrada-parque, conceito ainda pouco explorado e mais adequado do ponto de vista ambiental, porém ignorado pelo estado e prefeitura.
O plano de manejo do parque classifica a estrada do espanhol como zona de uso conflitante, isso para a pequena via, com pouco fluxo de veículos, de chão batido, que existe atualmente. Para uma rodovia de maior largura do que a própria BR-101, o casamento de infraestrutura de grande porte e conservação da natureza é impraticável. O Parque do Tabuleiro é ainda classificado como reserva de importância mundial da biosfera.
Há muitos outros pontos técnicos que barram a construção dessa obra e apenas um que depõe a favor: a vontade política. Camilo Martins e o governador, Carlos Moisés, querem. O que fica claro é que a verdadeira ameaça à natureza não é, por ora, o trânsito, mas o que os políticos no poder pensam.
Por Lucas Cervenka – reportagem@correiosc.com.br