Indígenas e PM entram em confronto em barragem no epicentro do marco temporal

    Na manhã de domingo (8/10) ocorreu um confronto entre a polícia e a comunidade indígena Xokleng em José Boiteux. O motivo foi a decisão do governo estadual em fechar as comportas da barragem norte do Rio Hercílio, que deságua no Itajaí-Açu, para conter a cheia provocada pelas chuvas nas cidades do Vale do Itajaí. Para o governo estadual, há a possibilidade de conter grande enchente no vale, evitando que várias centenas de imóveis sejam inundados. Para os indígenas, houve invasão.

    Decisão de usar o equipamento

    A Justiça Federal havia autorizado, na noite de sábado (7), o governo de SC a fazer o fechamento das comportas, desde que cumprisse as exigências dos indígenas: desobstrução e melhorias da estrada que serve de rota de fuga em caso de alagamento da aldeia; equipe de Saúde 24 horas dentro da área Xokleng; três barcos para a comunidade; fornecimento de água potável; fornecimento de cestas básicas; e construção de novas casas para os desabrigados da enchente no local.

    Após anunciar a decisão, o governador, Jorginho Mello, enviou ao local tropas de choque e cavalaria da PM, além do maquinário necessário, para tentar assumir o controle da barragem.

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    A tensão durou durante a noite, com coloção de barricadas pelo indígenas. Equipes da Defesa Civil haviam realizado uma reunião com as lideranças locais e assinado um acordo. Cestas básicas e um ônibus foram levados até o centro de operação da barragem, iniciando uma nova rodada de negociações, que teriam avançado em alguns pontos, porém, na manhã desse domingo, com a ordem do governo em assumir o controle da barragem, houve o confronto. Por volta das 7h49 da manhã, a Polícia Militar conseguiu acesso à barragem. Algumas pessoas foram feridas por tiros de bala de borracha.

    Lideranças indígenas reclamaram de truculência da Polícia Militar e afirmam que o acordo não foi respeitado. Segundo o governo estadual, a negociação para o fechamento foi realizada entre o governador e o cacique Setembrino Camlém, que fez os pedidos para a liberação da área. A partir do acordo, os policiais se deslocaram para o trabalho em campo.

    “Nós temos imagens que mostram o nosso efetivo chegando no local, conversando com o cacique e uma oficial de justiça lendo o documento. Até então uma desocupação sendo feita pacificamente. Só que mais ao final da operação fica um pequeno grupo concentrado na casa de máquinas, onde os policiais precisavam entrar para fazer os reparos”, afirmou o comandante-geral da PM, coronel Aurélio José Pelozato da Rosa. Nesse local, então, indígenas se desentenderam com Policiais Federais e inicou o confronto. A partir daí a PM passou a diparar tiros de bala de borracha e bombas de gás lacrimogênio. Alguns indígenas arremessaram pedras.

    Histórico do conflito

    A comunidade Xokleng, com cerca de 2 mil pessoas, é contra o fechamento das comportas, por afetar as casas em regiões mais baixas da Terra Indígena Ibirama-La Klãnõ, que serão inundadas. Há 9 anos o equipamento não era usado. Em 2014 foi a última vez em que o lago da barragem foi usado para conter cheia no vale abaixo, o que provou inundação na comunidade, revoltando os indígenas.

    A barragem e seu lago estão dentro da TI Ibirama-La Klãnõ, justamente o epicentro do conflito judiciário que deu origem à tese do marco temporal. A área tem 37 mil hectares, abrange quatro municípios (Doutor Pedrinho, Itaiópolis, José Boiteux e Vitor Meireles) e, segundo o Instituto do Meio Ambiente de SC, está parcialmente sobreposta ao parque – por isso o Estado de SC pede a reintegração de posse de parte da área e, para isso, formulou a tese de que deveria haver uma ocupação indígena no local na data da promulgação da Constituição de 1988.

    Ao longo desse ano a Defesa Civil estadual tentava articular plano de contigência para tentar reaver o uso da barragem, porém enfrentava resistência dos indígenas. Um dos motivos é o posicionamento favorável de Mello ao marco temporal.

    Como é a barragem norte

    A barragem teve as obras iniciadas em 1976, mas as operações ocorreram de fato apenas em 1992. A estrutura foi erguida no rio Hercílio, que deságua no rio Itajaí-Açu, o qual corta diversas cidades do estado. Uma delas é Blumenau que, em função dos impactos causados pelas chuvas, suspendeu a Oktoberfest diante da previsão de enchente no Rio Itajaí-Açu. A barragem norte é a maior estrutura de contenção de cheias de Santa Catarina e estava sem uso desde 2014, quando índios invadiram o local, por ter alagado suas terras em operação para evitar enchentes no vale, e depredaram o centro de operação, inviabilizando o uso.

    Barragem de José Boiteux está dentro de terra indígena
    Barragem Norte do Rio Hercílio, a maior de SC, está dentro de terra indígena – Foto: Ícaro Patté/Wikimeddia Commons/Divulgação/CSC

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    Governador informa fechamento

    Após o confronto na manhã desse domingo, equipes da defesa Civil acessaram a casa de máquinas da barragem e fizeram reparos emergenciais para poder operá-la. Por volta de 13h50, conforme divulgação do governador, a barragem foi fechada.

    Em vídeo divulgado às 15h45, o governador afirma que o fechamento da comporta vai evitar mais 2 metros de altura de possível inundação em Blumenau. Segundo Jorginho, todos os itens da pauta de reivindicação serão atendidos pelo Governo do Estado.

    “Enviamos tudo o que eles pediram, desde mais de 900 cestas básicas até uma ambulância que já está no posto da PM de José Boiteux, além disso, seguiremos investindo em melhorias de infraestrutura, principalmente, e de convivência social que aquela comunidade pede há mais de 20 anos”, enumera o governador.

    Por Lucas Cervenka – reportagem@correiosc.com.br

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