Por Ana Ritti – redacao@correiosc.com.br
Historiador e morador de São José há 35 anos, Fábio Garcia não esperava chegar tão longe na principal premiação literária do Brasil, o Prêmio Jabuti. Com a ideia de conhecer os trâmites e participar apenas como experiência, ele foi um dos cinco finalistas na categoria crônica, ficando em segundo lugar, com o livro Ildefonso Juvenal da Silva – Um memorialista negro no sul do Brasil. A obra traz textos de um dos principais intelectuais catarinenses do século passado, mas que teve sua trajetória invisibilizada depois da morte.
Figura importante no estado entre os anos 1920 e 1960, Ildefonso Juvenal da Silva publicou sobre os mais variados temas em suas 17 obras, além de artigos em jornais locais e periódicos do Rio Grande do Sul, Paraná e São Paulo. Nascido em 1894 na antiga Desterro, hoje Florianópolis, era filho de pai alforriado e mãe liberta, e por meio da educação superou estigmas relacionados à população negra na provinciana capital. Formou-se como farmacêutico pelo Instituto Politécnico de Florianópolis e na polícia militar, antiga Força Pública, foi professor de alfabetização, chegando ao posto de major no final de sua carreira militar.
Na literatura, sua estreia foi em 1914, aos 20 anos, ao publicar com recursos próprios o livro Contos Singelos. Ildefonso Juvenal lutou pela democratização do acesso à leitura e em uma época em que a Academia de Letras de Santa Catarina não aceitava mulheres e negros, ele e outros escritores fundaram o Centro Catarinense de Letras, como forma de oportunizar a atividade literária para grupos repelidos pela academia. Ele ainda foi membro de diversas associações literárias no Paraná e Rio Grande do Sul, sendo também cofundador da Associação dos Homens de Cor, tema presente em sua obra. “Ildefonso foi, por certo, o primeiro intelectual negro catarinense a debater publicamente o tema do racismo e do preconceito. Há diversos textos dele repudiando essa prática na sociedade. Tanto o movimento negro quando os demais estudiosos da história de Santa Catarina precisam se aprofundar nos textos e na trajetória de Ildefonso Juvenal”, explica Garcia.
O primeiro contato do historiador com Ildefonso foi no início dos anos 2000, quando estudava história na UFSC. Na época, ele pesquisava sobre outra personalidade negra catarinense, o maestro de bandas e poeta João Rosa Júnior. Nas constantes visitas ao setor de obras raras da biblioteca pública de Santa Catarina, percebeu a imensidade de artigos, textos e notas assinados por Idelfonso nos jornais dos anos 1910 a 1930 e resolveu mudar a direção da pesquisa acadêmica.
Para o historiador, seria impossível não conhecer Ildefonso e sua importância na sociedade e contribuição na imprensa estadual enquanto ele era vivo, mas os anos seguintes a sua morte, em 1965, foram de esquecimento e invisibilidade de sua trajetória. Garcia comenta que a obra de Ildefonso deveria ser inserida da rede educacional, para chegar a estudantes e pesquisadores. “O estudo de sua vida e obra permite identificar a luta, as estratégias de homens e mulheres negras no pós-abolição em busca da educação, na melhoria das condições de vida e, sobretudo, na dignidade humana”.
O livro Ildefonso Juvenal da Silva – Um memorialista negro no sul do Brasil, lançado em 2019 pela editora Cruz e Sousa, é uma forma de reviver a obra do memorialista. O título do livro destaca que Ildefonso era negro no sul do Brasil, onde há um apagamento da história de figuras negras. Entre as 90 crônicas agrupadas em nove capítulos, há textos voltados a valorização do negro na sociedade, denúncias de racismo, crônicas biográficas, crônicas de viagens, sobre a polícia militar e sobre saúde, além dos dedicados ao poeta simbolista Cruz e Sousa. O livro foi um dos cinco finalistas do 62º Prêmio Jabuti na categoria crônica. No ano passado, o autor participou da sessão que homenageou Ildefonso na câmara de Florianópolis.
Em 2021, Fábio Garcia pretende concluir a biografia de Ildefonso Juvenal para o seu mestrado em educação na UFSC. Além disso, ele deve lançar uma reedição da poesia completa de João Rosa Júnior e um romance sobre a vida de São Jorge.