Pequenas propriedades rurais em áreas da Mata Atlântica que foram desmatadas em desacordo com as regras ambientais até julho de 2008 não precisarão fazer qualquer compensação ou recuperação ambiental. É o entendimento do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), após votação na semana passada (em 3/12).
A corte julgou um recurso dos ministérios públicos estadual e federal de Santa Catarina contra um despacho do então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, de abril de 2020 (a famosa boiada passando), que determinou que o código florestal incide sobre a Lei da Mata Atlântica. Isso significou que, na prática, propriedades rurais que fizeram a supressão a mais do bioma (que cobria 100% do território catarinense) não precisarão aumentar a quantidade de área preservada, uma vez que podem manter, em teoria, 20% da área como APP. Pela lei da Mata Atlântica as propriedades deveriam manter APP mais a reserva legal. Em 2012 o código florestal autorizou que essas áreas fossem a mesma.
Após o despacho 4.410/2020 determinar qual legislação deve ser seguida, a Justiça Federal em Santa Catarina, em decisão do juiz Marcelo Krás Borges sobre recurso dos ministérios públicos contra o despacho, suspendeu a aplicação do entendimento do ex-ministro no estado de Santa Catarina. Na decisão, Borges obrigou que os órgãos ambientais estadual e federal (IMA e Ibama) não poderiam mais cancelar multas ambientais, não cadastrar imóveis rurais que derrubaram áreas de preservação permanente (cujo despacho permitia) e que não fossem mais concedidas licenças ambientais sobre APPs em Santa Catarina, dadas pelo IMA. Os dois órgãos ambientais recorreram então ao TRF4 contra a decisão do juiz federal em SC.
Prejudicial à agricultura familiar
Para o desembargador Victor Luiz dos Santos Laus, presidente do TRF4, a decisão de anular o despacho (a decisão de primeira instância na justiça federal), causaria impacto econômico ao obrigar a revisão dos atos administrativos feitos a partir da autorização do despacho de Salles. Laus considerou que uma determinação judicial para correção dos atos seria uma interferência na ordem administrativa.+ A experiência com agrofloresta em SC que fez ressurgir o açaí catarinense
O juiz também proferiu sua decisão afirmando que a aplicação da Lei da Mata Atlântica (Lei Federal 11.428/2006) é prejudicial às pequenas propriedades rurais de Santa Catarina, que não podem suportar uma área de preservação ambiental e mais uma reserva legal e que, caso tivessem de fazer alguma recuperação ambiental, o ecossistema natural retomaria mais de 20% das áreas de cultivo. “Além dessa área, outra fatia de 20% de todas as propriedades deve ser destinada à reserva legal. Em propriedades pequenas, o que sobra não é suficiente para sustentar a manutenção de uma família no campo”, observou o magistrado. Laus referiu no voto uma pesquisa da Secretaria de Agricultura do estado de SC segundo a qual 57,6% dos imóveis rurais de até quatro módulos fiscais (pequena propriedade rural) deixariam de existir se fossem obrigados a fazer a recuperação ambiental conforme a Lei da Mata Atlântica. Os módulos ficais variam de tamanho conforme cada município, podendo chegar a 96 hectares em algumas cidades de Santa Caarina.
O juiz citou que a “área consolidada” em Santa Catarina, isto é, as regiões desmatadas, ocupam 69,9% de todas as propriedades. Outros levantamentos apontam que esse percentual já está em 78%, restando apenas 22% de toda a Mata Atlântica em Santa Catarina.
Na Alesc, a revisão do código ambiental estadual dará fim a essas disputas judiciais. Pela proposta de espelhamento do código florestal federal ao de SC, as pequenas propriedades serão eximidas de maiores responsabilidades e cargas de preservação, suplantando as leis ambientais que são vistas como economicamente inviáveis para a agricultura, principalmente a familiar.
Representantes do setor ambiental alertam que, na prática, com uma política ambiental mais permissiva, a tendência é de uma supressão maior da Mata Atlântica, com menos sanções penalidades a quem não seguir as regras e sem qualquer relação com sustentabilidade ambiental.
Por Lucas Cervenka – reportagem@correiosc.com.br